terça-feira, 25 de novembro de 2008

Os militares e a ditadura portuguesa

In "EXPRESSO assinantes":

«A SITUAÇÃO do Exército Português, sob o ponto de vista moral, ou material, é absolutamente deplorável. O estado de desleixo, miséria e degradação a que a força pública tinha chegado justificaria por si só mil revoluções...»

Jorge Botelho Moniz, oficial rebelde no golpe falhado de 18 do Abril de 1925, no seu livro, «O 18 de Abril», Lisboa 1925.

«(O Exército) é... a mais poderosa garantia da soberania nacional, paz interna e respeito externo.»

Jorge Botelho Moniz, mesma fonte, 1925.

«Se, antes de 1961, as Forças Armadas não foram abertamente afectadas de modo desfavorável no seu prestígio, ou não foram afectadas de forma tão violenta, isso ficou a dever-se a que as crises internas do regime ainda não tinham atingido um estado especialmente agudo. No entanto, a partir da queda da Índia e, acima de tudo, da forma como as guerras de África se prolongaram, as Forças Armadas descobriram a sua real separação da Nação, o que foi visto pela primeira vez não sem temor por parte de muitos soldados. As Forças Armadas estão, por essa razão, humilhadas, desacreditadas e apresentadas ao País como principais responsáveis pelo desastre.»

Fev. 1974, Primeiro Manifesto dos «Capitães» do Movimento das Forças Armadas, citado em «Textos Históricos da Revolução», Lisboa: Diabril, 1975, p.16.

Uma experiência única de intervenções militares e duas questões

Entre os estados ocidentais, a experiência portuguesa com intervenção militar na política e no governo, parece ser única (com a possível excepção da experiência espanhola 1923-1939). Duas vezes no séc. XX os militares portugueses derrubaram um regime de ditadura civil: em 1926 e em 1974. Duas vezes, no seguimento de cada um dos golpes militares, o corpo de oficiais das Forças Armadas dominou não só as actividades governamentais como também tomou parte na administração do país: nos anos de «pura» ditadura militar, 1926-1928, e novamente na sequência do golpe de 25 de Abril de 1974, durante o período de Maio de 1974 a Abril de 1976. Em ambos os casos os militares portugueses escolheram, por várias razões, regressar aos quartéis e ceder a «parte do leão» no poder aos civis.

Qualquer análise que se ocupe dos militares portugueses na política e no governo tem necessariamente que tratar do fenómeno do extenso período da ditadura portuguesa, habitualmente conhecido por «Estado Novo». Dado que um estudo definitivo do «Estado Novo» não é possível neste momento, este ensaio deverá ter um alcance limitado. Deverá ser feito um inquérito preliminar às principais tendências na história militar portuguesa durante o período entre os dois golpes de 1926 e 1974. Depois disso, duas questões se põem a será fornecido material para as respostas: quais eram as relações entre os civis e os militares durante este período? Mais propriamente, qual era a relação política entre os militares portugueses, principalmente o corpo de oficiais (para o objectivo deste estudo), e o governo do «Estado Novo»? E quais os factos mais importantes que podem claramente ser identificados no processo que levou à intervenção activa das Forças Armadas no Governo de Portugal.

A tradição do pronunciamento

Nenhuma análise da história dos militares portugueses em tempos recentes ficará completa sem um debate sobre a experiência dos militares durante a Primeira República, 1910-1926. O corpo do Oficiais do Exército iniciou, com efeito, uma tradição de pronunciamentos depois de 1820 numa série de golpes; derrubaram regimes e tiveram um papel importante na alta política até ao relativamente calmo período de 1851-1891. Como a Monarquia Constitucional tivesse perdido popularidade e a sua coesão desaparecesse, as Forças Armadas reflectiram a crescente crise política. Tão apolítica como em 1890-91, o corpo de oficiais sofre uma politização gradual através do renascimento da tradição de pronunciamento levada a cabo pelos militantes republicanos da classe média, tanto civis como militares.

Descontentes entre as classes trabalhadoras e comerciais nas vilas e cidades exacerbaram o conhecido papel defendido pelos líderes militares. Deveriam os militares continuar a defender a monarquia? Deveria a monarquia mudar a sua estratégia e utilizar uma «clique» de oficiais direitistas, tais como Mouzinho de AIbuquerque (1855-1902), de maneira a reter o poder e derrotar o crescente movimento republicano? Estava em debate o papel das Forças Armadas na sociedade.

Dois modelos em conflito, o «aristocrático» e o «democrático», eram objecto de discussão entre monárquicos e republicanos. A maioria dos republicanos desejava um exército conforme com o modelo «democrático», muito semelhante às relações Forças Armadas-civis existentes na Terceira República, em França, e na República Suíça. Os «Ieaders» republicanos defendiam «uma nação em armas», conceito que implicava um pequeno núcleo de forças de voluntários profissionais e uma maior força de «recrutamento nacional», na qual todos os homens entre os 17 e os 45 anos serviriam, independentemente da sua classe, nível ou habilitações.

As relações civis-militares deterioraram-se com o aumento da violência pública, maquinação de golpes e conspirações para derrubar a Monarquia por meio de um golpe a ser feito pelas unidades militares. Os mais activos no incitamento dos militares à revolta e a apoiar o estabelecimento de uma República não era o pessoal militar mas militantes civis da República, da ala radical violenta, secção do Partido Republicano e da Corbonária, sociedade secreta, semi-anarquista, se bem que republicana.

Depois de muitas tentativas abortadas de conspirações e golpes, uma larga insurreição civil, em 5 de Outubro de 1910, iniciada na capital, conseguiu obter o apoio das Forças Armadas. Depois de algumas lutas, apesar de somente um punhado de oficiais de carreira e uma minoria de soldados da guarnição de Lisboa ter activamente apoiado o golpe, as Forças Armadas recusaram defender a monarquia e saudaram o triunfo da República civil. Deve notar-se que o dirigente civil e real nos anos finais da monarquia duvidava da lealdade do conjunto do Exército e da Marinha e confiava nas forças paramilitares para a defesa e segurança final

Sob a Primeira República, uma excessiva instabilidade caracterizou o Governo, a política, a economia o a sociedade. As Forças Armadas sofreram pressões nunca experimentadas: um relativamente alto nível da violência pública; ordens civis para reprimir tanto as revoltas militares como as civis nas cidades e zonas rurais; uma onda nunca vista de greves; combate na Europa com os Aliados em 1917-1918; combate na África Portuguesa contra os Alemães, 1914-1918; uma curta guerra civil no Norte de Portugal em 1919; e severas dificuldades socioeconómicas como resultado de uma economia em colapso e ordenados miseráveis.

A experiência militar portuguesa na Primeira Grande Guerra, na Europa e em África, teve profundas consequências. Os dirigentes civis tornaram-se mais dependentes das forças militares e, ao mesmo tempo, os dirigentes militares tornaram-se crescentemente insatisfeitos e frustrados. O País foi forçado a aguentar o que foi então o mais massivo esforço de mobilização da sua história. Militares houve que acreditaram que a guerra providenciava novas oportunidades para um treino intenso, experiência, ordenados, promoções e qualificações profissionais. Muitos outros, no entanto, ressentiram-se com a politização do corpo de oficiais e soldados, com a intervenção política nos assuntos militares em muitas ocasiões, com os conflitos políticos partidários no governo e política, má administração geral, e com o programa militar da elite republicana civil.

Uma considerável parte do corpo de oficiais portugueses de carreira era crítica do facto da bem intencionada República, mas sem êxito, tentar criar em Portugal uma «Nação em Armas», por meio de um novo sistema universal de destacamento e um programa de milícia. Os dois planos falharam por ausência de meios e apoio militar. O programa da milícia tomou novos aspectos durante a Primeira Grande Guerra. Uma parte substancial de oficiais foi promovida ao abrigo do programa de milícia durante a guerra; houve consideráveis atritos entre os oficiais de carreira e os supostos «temporários» oficiais de milícia; por razões políticas e profissionais militares, os oficiais de carreira ressentiram-se do que eles acreditavam ser favoritismo demonstrado pelos dirigentes republicanos civis e militares no sistema parlamentar em favor dos oficiais partidários da milícia que eram admitidos ao serviço com o posto que tinham no fim da guerra. Este alegado favoritismo encorajou a maioria dos oficiais anti-republicanos a protestar e eventualmente planear o derrube militar da Primeira República. Apesar de haver um numero de injustiças importantes profissionais e económicas, conjuntamente com uma crescente insatisfação com a situação política, a má vontade do conjunto dos oficiais de carreira, a lei de 1921 quanto às comissões na milícia forneceu um claro, forte e básico ponto de união entre oficiais de crenças políticas divergentes e diferentes membros activos de partidos políticos.

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