terça-feira, 25 de novembro de 2008

1926 e 1974: paralelismo na actuação dos militares

In "EXPRESSO assinantes":

1926 e 1974: paralelismo na actuação dos militares
«OS MILITARES e a Ditadura Portuguesa - 1926-1974: a Hora do Exército» é o título de um texto do americano Douglas L. Wheeler, professor de História Moderna na Universidade de New Hampshire, que será publicado, em breve, nos EUA, em volume a editar pelos professores Lawrence S. Graaham e Harry M. Makler, membros do «International Conference Group on Modern Portugal». O título do livro, ainda provisório, é: «Portugal contemporâneo, a sua cultura, economia e política numa perspectiva comparativa». O texto de Wheeler, cuja publicação continuaremos no próximo número, analisa a história dos militares portugueses, desde o período imediatamente antes da implantação da República até ao 25 de Abril de 1974. Do fio da narrativa decorre uma constante na actuação dos militares e nas suas relações com o poder civil e com as diferentes forças políticas que mais ou menos intensamente e mais ou menos subtilmente os foram (vão) manipulando. Porque achámos o texto com interesse para a compreensão do 25 de Abril, enquanto data histórica que transcende um passado mas o contém, embora ultrapassado, pedimos licença ao autor para o publicar, o que fazemos em primeira mão. Uma recomendação que nos parece importante: dado que neste número publicamos quadros que importa reter para melhor compreensão do que apresentaremos no próximo, pensamos ser conveniente guardá-los até à leitura final.

Quais os factores fundamentais que podem ser claramente identificados nos diversos processos e períodos históricos que levaram as Forças Armadas Portuguesas a intervirem na política? A melhor forma de responder à questão posta é tentar analisar e sublinhar as razões de queixa do corpo de oficiais portugueses em 1926 e em 1974.

A principal razão que é ao mesmo tempo semelhança entre as duas intervenções residiu no descontentamento profissional baseado na convicção de que a 'Honra do Exército' ou das Forças Armadas estava a ser gravemente comprometida pelo seu papel de defensor de regimes desacreditados, contribuindo simultaneamente para a manutenção de uma política que falhava e ia falhando cada vez mais. Por conseguinte, a razão principal, tanto em 1926 como em 1974, começa por ser apolítica, de natureza puramente profissional. Os 'tenentes' de 1926 desejavam acabar com o programa de milícia e estavam profundamente ressabiados com a lei da Comissão de Milícia de 1921.

O Movimento dos Capitães de 1974 começou a organizar-se devido também a razões de ordem profissional: o Decreto-Lei 353/73 de 13 de Julho de 1973 que dava facilidades à redução do treino de oficiais e que se transformou em polémica célebre entre os mais jovens e causou uma série de protestos verbais e escritos. A lei encorajava os oficiais milicianos com pouco tempo de carreira, favorecendo-lhes assumirem posição no Quadro Regular.

De facto, o primeiro manifesto dos capitães sublinhava este ponto como uma injustiça e imediatamente obteve um grande apoio de vastas camadas de oficiais com ideias políticas diversificadas. 'A principal razão de queixa', portanto, serviu de elo ou ponto de união aos oficiais que conspiravam. Essa razão tanto podia obter a simpatia dos conservadores como dos progressistas. Aquilo, porém, que começou como queixa profissional foi evoluindo noutra direcção, a ponto de se pensar em golpe com os seguintes pontos a desenvolver e a organizar: programa mínimo, um chefe para encabeçar o movimento e um plano de operações para destituir o regime.

Apresentamos agora, em síntese, um esboço das razões que puseram em acção os oficiais de 1926 e 1974.

1926
1 - Injustiças profissionais
Lei da Milícia de 1921
- Ordenados baixos;
- Más funções;
- «Honra» individual e das Forças Armadas em jogo;
- Descontentamento com o sistema de milícia em geral;
- Oficiais não profissionais, «mortos como»?;
- Aumentos de ordenado demasiado «democráticos»;
- Promoções demasiado políticas.
2 - Injustiças económicas
- Poder de compra do pré reduzido a metade, 1915/26;
- Inflação severa;
- Bancarrota do Estado;
- Estado visto como corrupto e incompetente;
- Extrema subida de preços.
3 - Situação política geral
- Repressão e opressão estatal;
- Poder dos predecessores da PIDE, núcleo da polícia de 1926;
- Políticos vistos como um grupo corrupto, venal, incompetente e antimilitar;
- O Exército censurado pelas derrotas na II Guerra Mundial e as desgraças na Flandres e em África;
- Políticos responsáveis pela falha em comandar e equipar as Forças Armadas de forma a poderem fazer face às ameaças alemãs;
- Medo de perder as colónias de África a favor dos impérios rivais: Inglaterra, Alemanha, Itália Espanha?;
- Medo da ameaça espanhola: de a Espanha atravessar a fronteira.

1974
1 - Injustiças profissionais
Lei da Milícia de 1973
- Ordenados baixos;
- Más funções;
- «Honra» das Forças Armadas em jogo;
- Vergonha de vestir a farda nas ruas de Lisboa;
- Corrupção do corpo de oficiais por colaboração com o «Estado Novo» no Ultramar;
- Inadequadas facilidades em África;
- Promoções demasiado políticas.
2 - Injustiças económicas
- Severa inflação (30% 1973-74);
- Redução de combustíveis;
- Subida de preços em flecha;
- Elites comerciais e industriais mais consideradas do que as Forças Armadas;
- Estado Novo perdendo o seu poder no Continente e em África.
3 - Situação política geral
- Poder da polícia secreta superior ao individual ou de grupos (PIDE/DGS);
- Estado Novo sob Caetano não se liberalizava significativamente;
- As guerras de África não podem ser ganhas, só prolongadas;
- O Exército na iminência de ser acusado da queda do Regime;
- Forte emigração para evitar ordenados baixos, serviço militar obrigatório em África, esvaziamento do país;
- Especialistas necessários em Portugal levados para as guerras de África.

Algumas das semelhanças entre as causas da intervenção em 1926 e 1974 podem ser observadas na análise que publicamos. Precisamente em dois pontos, existem semelhanças fortíssimas: a mobilização em massa para a I Grande Guerra e o aumento crescente das Forças Armadas e ainda das guerras africanas, depois de 1961, e o aumento do orçamento para as necessidades militares.

Em conclusão: a ligação militar portuguesa com a ditadura foi complicada e turbulenta. Durante o período de 1926-1928 foi o Exército quem tomou as decisões fundamentais no Governo; em 1928 era evidente que a então chamada «Revolução Nacional» corria grave risco. Os oficiais dirigentes não eram capazes de resolver ou encontrar a chave dos problemas financeiros e espalhou-se a descrença pública no governo militar. Se o êxito do governo militar era pequeno em 1920, no período de 1974-76 era na melhor das hipóteses «confuso».

A experiência militar portuguesa demonstrou continuidade em mais de um aspecto. O Projecto de Reestruturação das Forças Armadas em 1976 era singularmente parecido às leis de Reforma de Exército do passado século XIX e à Lei da Reforma do Exército de 1911. Este Plano defendia um regresso aos quartéis e um apartidário e apolítico papel para as Forças Armadas. Havia apenas uma função adicional para além da defesa e segurança nacional, 'desenvolvimento do território' (reconstrução nacional). Uma pequena força voluntária de Intervenção de profissionais de carreira treinaria uma 'Força Territorial' rotativa, constituída por recrutas que serviriam de 15 a 18 meses.

Como muitos exércitos africanos compreenderam com surpresa, frustração e desânimo, uma coisa é derrubar um regime e tomar o poder, outra, bem diferente, é realmente governar e dirigir. Como alguns autoritários aprenderam, com desagradável surpresa, a retórica salazarista da 'unidade' do Exército e do Exército como o último baluarte que nas mais sérias crises 'defende o destino e consciência da Nação', pode pelo menos ter dois sentidos; e dizer é uma coisa, mas, actualmente, acreditar é outra. A ditadura nunca ultrapassou a fechada e sempre latente mentalidade 'vis a vis' das Forças Armadas, e desde que os seus defensores paramilitares se deixaram ficar neutrais os dias do Estado Novo estavam contados. O longínquo tom dos últimos discursos oficiais do Ditador era a recordação final da falência da suas relações com as Forças Armadas. Quando o mal-aventurado I Regimento de Infantaria das Caldas da Rainha iniciou a sua 'não autorizada parada militar' (explicação do Governo), uma nova era havia começado.

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