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O presente de alguns dos militares que animaram, de forma mais apaixonada, o «folclore» de Abril. Saídos do anonimato no dia 25, ou nos meses quentes, tiveram o poder nas mãos - e têm hoje uma vida igual à de muitos cidadãos. Reciclaram-se. Deixaram o Exército e lançaram-se à vida.
Campos Andrade: «Para mim tanto faz: Marx ou Mao é tudo a mesma merda». A impreparação política marcava muitos dos oficiais que participaram nos acontecimentos de AbrilCampos de Andrade
(director de gabinete de projectos)Poucos dias depois do 25 de Abril de 1974, o major Campos de Andrade - que mais tarde viria a tornar-se uma das figuras mais polémicas do MFA - foi chamado em Lisboa a pacificar uma manifestação de militantes do MRPP, cujos dirigentes vinham desde a primeira hora clamando insistentemente contra o carácter revisionista da Revolução.
Confrontado com os manifestantes, o antigo comandante do Regimento da Polícia Militar interveio de megafone em punho, começando por citar uma frase histórica, cuja autoria levianamente atribuiu a Marx. Na resposta, o orador oficial do comício disse-lhe que não fora Marx mas Mao-Tsé-Tung quem escrevera a expressão que acabara de citar. Apanhado de surpresa, Campos de Andrade respondeu imediatamente: «Para mim tanto faz. Marx ou Mao é tudo a mesma merda».
O episódio, que hoje se recorda, revela até que ponto era manifesta a impreparação política de muitos oficiais que participaram nos acontecimentos de Abril, entre os quais a do sujeito desta história.
Mas quem foi este homem amado por uns e odiado por outros no período mais aceso da Revolução? Onde pára o comandante do maior Regimento de tropas entre 1974 e Novembro de 1975? Que é feito do major que chegou a ser arguido num processo disciplinar por ter comandado um grupo de soldados que roubou a Silva Pais, director da PIDE, um par de botas e um isqueiro de marca «Dupont»?
Filho de um general na reforma, Campos de Andrade tem 52 anos e é hoje engenheiro técnico civil, licenciado em 1980 pelo Instituto Superior de Engenharia. Trabalha por conta própria num gabinete de estudos que fundou em Lisboa. Desde o seu afastamento das fileiras do Exército, em 1976, até finais de 1979 exerceu a actividade de topógrafo para superar algumas dificuldades económicas.
Na sequência dos acontecimentos de Novembro, foram-lhe levantados 32 processos disciplinares, tendo sido ilibado em todos eles, incluindo no das sevícias. Esteve durante 45 dias incomunicável na prisão de Custóias e detido mais de três meses no Presídio Militar de Santarém.
Comandante das tropas que protegeram o cerco à Assembleia Constituinte, Campos de Andrade é no entanto titular de uma Cruz de Guerra de terceira classe, de uma medalha de Mérito Militar e detentor de vários louvores em campanha. Fez duas comissões em África.
Volvidos todos estes anos, o antigo comandante da PM olha para o passado com uma certa indiferença, mas gosta de assumir parte da paternidade dos acontecimentos de Abril. Diz, por exemplo, que foi ele e não a Marinha que ocupou a sede da PIDE, onde terá ordenado aos soldados muitas coisas, menos que roubassem as botas a Silva Pais. Desiludido com a tropa, afirma que a situação militar que lhe foi criada acabou por vir a dar-lhe a conhecer um «mundo bestialmente giro», o mundo dos civis.
Diniz de Almeida: uma das referências mais emblemáticas da revolução, que hoje recorda sem a paixão de outros tempos. Mas mantém-se firme nas convicções e alimenta a ideia de um dia voltar às fileiras do ExércitoDiniz de Almeida
(aluno do ISPA)Mas entre os homens que mais se distinguiram na preparação do 25 de Abril bem como durante todo o processo revolucionário estava sem dúvida Diniz de Almeida. A direita chamava-lhe o «Fitipaldi das chaimites»; a esquerda via nele um dos seus aliados mais generosos.
Comandante de quatro baterias de blindados estacionadas no Ralis, Diniz de Almeida foi durante muito tempo - e deverá continuar a ser para a história da Revolução - uma importante referência. Em 1974 tinha apenas 29 anos. A sua participação nos acontecimentos militares (tal como já a tivera na fase de preparação do movimento ao qual pertenceu desde a primeira hora) tornou-se importantíssima para o êxito do golpe. Ocupou o Regimento da Figueira da Foz, prendeu pessoalmente o comandante e encaminhou-se depois para Lisboa a fim de tornar o Ralis com a conivência da maioria dos oficiais ali colocados. Antes, havia passado pelo Forte de Peniche, onde uma parte das tropas que comandava procedeu à libertação dos presos políticos. Mais tarde desalojou a Legião Portuguesa da sede da Penha de França.
Na sequência do 25 de Novembro Diniz de Almeida foi preso. Sobre ele impenderam numerosos processos disciplinares de cujas acusações acabou por ser sucessivamente ilibado. Muitos dos seus camaradas consideram-no ainda hoje um «romântico» que se deixou apaixonar por uma causa em que acreditou por uma vez e se desiludiu por outra.
Estigmatizado pelos sectores mais conservadores da sociedade portuguesa e indesculpado perante a hierarquia militar vigente, Diniz de Almeida é hoje um homem sereno e tranquilo. Fala sem a paixão de outros tempos, embora se mantenha firme nas convicções que o levaram a amar a sua revolução.
Com 44 anos, este major de Artilharia na reserva, desde 1 de Agosto do ano passado, é actualmente um dos alunos mais brilhantes do segundo ano do Instituto Superior de Psicologia Aplicada. Há já algum tempo criou com um sócio uma pequena empresa de medalhística, cuja parte técnica e criativa dirigiu até entrar para o ISPA. Gosta da vida militar e por isso não põe de parte a hipótese de um dia regressar às fileiras do Exército.
Acerca do 25 Abril diz: «A vitória e a apoteose têm muitos pais. A derrota é que não».
Faria Paulino: passou da dinamização cultural à dinamização da galeria de arte da Altamira. Pelo meio - e tal como aconteceu com outros oficiais do MFA - ficou um curso tirado numa universidade de LisboaFaria Paulino
(executivo, empresário e galerista)Menos importante no Movimento dos Capitães, mas nem por isso menos conhecido do que o antigo comandante operacional do Ralis foi o capitão da Força Aérea Faria Paulino. A generalidade dos portugueses deve ainda hoje ter dele a imagem do jovem oficial que de oito em oito dias na Rádio e de duas em duas semanas na Televisão falava sobre dinamização cultural.
Dedicado às Artes e Letras, Faria Paulino é actualmente o secretário executivo da Comissão dos Descobrimentos, ocupando parte do seu tempo num vasto gabinete instalado no último andar da Casa dos Bicos. É também o responsável pela direcção da Altamira e proprietário de uma livraria nas Olaias.
Já depois de ter abandonado a Força Arérea, na sequência do 25 de Novembro, o antigo ajudante do general Carlos Fabião abriu no Funchal uma galeria de arte - a Quetzal. Depois, juntando-se a um grupo de amigos, inaugurou em Lisboa uma outra loja a que deu o mesmo nome.
Enquanto viveu na Madei-ra, terra de onde é natural, Faria Paulino promoveu e realizou, a convite do Governo Regional, a primeira feira de arte contemporânea - a Marca-Madeira. No ano passado coordenou em Lisboa um fórum dedicado ao mesmo tema.
Nos anos subsequentes à Revolução, este oficial da Força Aérea decidiu regressar aos estudos e formar-se em História pela Universidade Nova de Lisboa. Frequentou seguidamente um curso de pós-graduação em História de Arte, que não completou.
Dizem alguns dos seus contemporâneos que Faria Paulino desistiu das ligações ao passado. Ele próprio, sem grande entusiasmo, limita-se a recordar a sua passagem pelo MFA. Foi um revolucionário que a Esquerda perdeu.
Duran Clemente
(assessor ministerial na Guiné)Outro nome importante da cena militar foi também o de Duran Clemente. Não se pode falar no 25 de Novembro que não se associe aos acontecimentos da data a emissão de televisão desse dia, que trouxe a todos a imagem de um capitão vestido de camuflado que se preparava para ler um comunicado à população. Ainda hoje não deverá haver ninguém que não se lembre que a seguir à interrupção abrupta da leitura do texto apareceu inexplicavelmente nos ecrãs um filme do Danny Kaye.
Como os restantes oficiais já recordados, também Duran Clemente é uma importante referência do 25 de Abril. Fez parte do MFA, mas muito tempo antes já ele havia tido problemas com a hierarquia militar do regime que depôs.
Estava-se em 1973. Duran Clemente pedira a passagem à reserva, invocando razões de consciência. Pouco tempo antes de Abril, o requerente foi enviado de castigo para a Guiné, onde se juntou a outros militares que estavam na génese do movimento.
Em Bissau assumiu o cargo de segundo comandante de Intendência, tendo sido posteriormente eleito director do Clube Militar. Regressado a Lisboa, ligou-se à 5ª Divisão do Estado-Maior, onde se manteve até 25 de Novembro de 1975.
É dos poucos vencidos que não foram presos. Quarenta dias depois de se ter mantido escondido em casa de amigos, Duran Clemente conseguiu iludir a vigilância dos militares vitoriosos e fugir para Angola. Em Luanda torna-se assessor no Ministério da Indústria.
Em Setembro de 76 regressou a Portugal, sendo-lhe consentida a liberdade condicional. Foi arguido em vários processos que vai ganhando até ser readmitido nas Forças Armadas. Depois, já major, pediu a passagem à reserva.
Entre 1978 e 1987 trabalha num gabinete de estudos ligado a uma empresa privada que mantém relações com os países africanos de expressão oficial portuguesa. Actualmente é consultor junto de uma unidade comercial francesa financiada por capitais da CEE e assessor do ministro da Coordenação Económica Civil do Comércio da Guiné-Bissau. Vive na capital guineense com saudades da Revolução e a nostalgia de Lisboa.
Mário Tomé: passou da intervenção política como militar à intervenção política como líder partidário. Pouco mudou. Para ele, o 25 (de Abril) foi o dia mais feliz e o 25 (de Novembro) o mais triste de todosMário Tomé
(dirigente partidário)Nesta breve resenha sobre o percurso de um punhado de oficiais que, de uma maneira ou de outra, mais se distinguiram durante o processo revolucionário não pode deixar de se incluir o major Tomé. Trata-se de um dos mais consequentes revolucionários do MFA no sentido em que sempre assumiu as posições que ainda hoje se lhe conhecem.
Segundo comandante da Polícia Militar (unidade onde se distinguiu ao lado de Campos de Andrade e de Cuco Rosa), Mário Tomé continua militante da UDP e, além de ser o seu dirigente máximo, é também a «alma» do partido.
Deputado à Assembleia da República em duas legislaturas consecutivas - este militar que havia sido promovido a major um mês antes do 25 de Abril de 1974 - terá sido um dos primeiros oficiais a pedir a demissão das Forças Armadas.
Na data dos acontecimentos estava em Nampula (Moçambique) a cumprir a quarta comissão de serviço (estivera já duas vezes na Guiné e uma em Angola). No regresso a Lisboa, Mário Tomé é colocado primeiro na Escola Prática de Cavalaria e em seguida na Polícia Militar.
Tem amigos em toda a parte e em todos os quadrantes políticos e ideológicos, mesmo entre deputados de outros partidos que foram seus pares na Assembleia da República. A sua trajectória, desde finais de 1975 até à presente data, está intimamente ligada ao percurso da UDP durante o mesmo período.
Acerca do 25 de Abril e do 25 Novembro Mário Tomé tem este comentário: «O primeiro foi o dia mais feliz da minha vida e o segundo o mais triste de todos».
Rosa Coutinho: presidente da Junta Governativa de Angola, em Julho de 1974, continua ligado a África - agora como administrador de uma empresa ligada à cooperação com as ex-colóniasRosa Coutinho
(administrador cooperante)Mas nem só de capitães viveu a Revolução. Do conjunto de oficiais-generais que tiveram um papel relevante nos acontecimentos de Abril e no período revolucionário destacamos dois: Rosa Coutinho e Galvão de Melo.
Foram membros da Junta de Salvação Nacional e tiveram percursos diferentes. Um teve o apoio da direita e da extrema-direita; outro teve a solidariedade da esquerda e da extrema-esquerda. Hoje voltam a ter de comum uma mesma vocação: o trabalho empresarial.
Rosa Coutinho tem 63 anos e era à data do 25 de Abril comandante da fragata «Almirante Pereira da Silva». Havia chegado a Lisboa de um exercício naval da NATO que se realizou nos mares do Norte. Era o mais novo dos membros da Junta de Salvação Nacional.
Logo em Julho de 1974, foi nomeado presidente da Junta Governativa de Angola e, posteriormente, indicado por Lisboa para assumir o cargo de Alto Comissário. Regressado à capital portuguesa em Janeiro de 1975, o almirante foi indigitado chefe dos serviços executivos do Conselho da Revolução, lugar que desempenha até ao dia 26 de Novembro do mesmo ano.
Na sequência dos acontecimentos do 25 de Novembro - cujo papel de apaziguamento junto dos oficiais e sargentos da Marinha é hoje realçado por sectores militares de várias tendências - foi afastado do exercício de quaisquer funções. Até 1982 - ano em que foi publicada a Lei de Defesa Militar -, Rosa Coutinho manteve-se na vida activa sem quaisquer postos de comando. Ainda hoje diz que esteve a ser pago para não fazer nada.
Sem perda de tempo criou, entretanto, uma empresa - a COTECO - que se dedica à cooperação técnica, designadamente militar, junto dos países africanos de língua oficial portuguesa. Militante de esquerda, Rosa Coutinho parece ter não só entre os sectores da direita e da extrema-direita antipatias pessoais, como até mesmo junto dos círculos políticos que frequenta. É bom conversador e até mesmo entre os seus inimigos há quem lhe reconheça uma invulgar capacidade técnica militar e de gestão comercial.
Galvão de Melo: recebeu cartas e telegramas que nunca chegou a ler. Depois de sair do «comboio da revolução», teve uma efémera carreira política: foi deputado e candidato a PR. Acabou por se dedicar aos negóciosGalvão de Melo
(proprietário industrial)Galvão de Melo está ideológica e politicamente nos antípodas de Rosa Coutinho. Com o seu irmão, é proprietário de duas fábricas de madeira contraplacada (uma em Porto Alto e outra em Valongo).
Apesar de morar próximo de Cascais, é o primeiro a chegar à empresa onde passa uma grande parte do dia. Esse dever que a si próprio impõe não o desobriga de cuidar da sua imagem física, de jogar partidas de ténis duas ou três vezes por semana e - como diz - «de continuar a gostar de miúdas bonitas».
Tem quase 68 anos. No 25 de Abril era coronel piloto-aviador na reserva, tendo sido escolhido pela Força Aérea para integrar a Junta de Salvação Nacional (JSN).
A 27 de Maio de 1974, Galvão de Melo faz um discurso na televisão claramente em oposição ao rumo dos acontecimentos. Afirma que recebeu então mais de 74 mil cartas e quase 200 mil telegramas, que nunca chegou a ler.
Decorridos mais alguns meses, e na sequência do 28 de Setembro, Galvão de Melo, Diogo Neto e Silvino Silvério Marques foram afastados da JSN pela comissão coordenadora do MFA. E enquanto os dois últimos resistiram à sentença, o primeiro assumiu a decisão com uma «dignidade impressionante».
Durante o PREC escreveu livros e envolveu-se em episódios grotescos (como a história da moca de Rio Maior) e só depois foi deputado à Assembleia Constituinte e mais tarde ainda à Assembleia da República.
Foi presidente do Conselho de Administração da Petrofina e seu director-geral. Em 1980 tornou-se candidato à Presidência da República nas eleições a que concorreram Soares Carneiro e Ramalho Eanes. Homem de posições extremadas, o general Galvão de Melo é no entanto visto pelos seus próprios adversários como um homem «de grande verticalidade e de uma invulgar sensibilidade nas relações humanas».
JOSÉ MANUEL SARAIVA
«Tínhamos planeado raptos»
ELE foi o estratego, o «cérebro» por trás de planos minuciosos cujo rigoroso cumprimento tornou possível o êxito do golpe que trouxe de volta a liberdade aos portugueses na «alvorada de Abril». Otelo Saraiva de Carvalho, graduado em general pouco depois para assumir o todo-poderoso Comando Operacional do Continente (COPCON), iria, ao longo dos meses que separaram o 25 de Abril de 1974 do 25 de Novembro de 1975, sentir o «cavalo do poder» passar-lhe à porta diversas vezes. Por «ingenuidade » para uns, «pureza» para outros, nunca o quis montar. Hoje, ironia da História, ele é o único capitão de Abril que o processo privou de liberdade: encontra-se detido desde o Verão de 1984, acusado de ligação às FP-25 e de terrorismo, condenado a uma pesada pena. Vai para mais de três anos que se resigna ao cumprimento da rígida disciplina da Casa de Reclusão Militar onde aguarda, «optimista e confiante», que lhe seja feita Justiça. «Se não for pedir de mais que se cumpram as leis deste país...», diz ele.
A primeira impressão que surpreende em Otelo, quando é visitado na prisão em vésperas do 15ºaniversário do 25 de Abril, é a frescura de que dá provas. Na riqueza de pormenores com que evoca os antecedentes da revolta, da frustrada intentona das Caldas à vitoriosa madrugada de Abril, na prontidão das respostas, na vivacidade dos gestos com que sublinha e destaca uma situação, uma coincidência. «Foi uma questão de meio minuto, nem tanto. Estávamos todos embrulhados com o golpe das Caldas e eu e o Germano Miquelina Simões, seriam para aí umas 5 e 30 da manhã de 15 de Março, fomos a casa do Monge, em Miraflores, avisá-lo de que as coisas não corriam como previsto. 'É pá, já passaste a casa', disse-me o Miquelina. Eu sabia, só que tinha visto cinco tipos, enfiados nas gabardinas do costume, pararem o carro à nossa frente, sairem dele e encaminharem-se para casa do Monge. Era a PIDE, e eu continuei em frente, como se não tivesse dado por nada.
Nessa noite, e na manhã seguinte, a PIDE esteve à minha beira inúmeras vezes, mas nunca chegou a dar pela minha presença! Mal sonhavam que dos nossos planos fazia parte deitarmos uma bomba de 250 quilos sobre a Assembleia da República...»
O golpe frustrado iria custar a prisão a cerca de 200 oficiais, nos dias que se seguiram à intentona. «Tínhamos feito aquilo, completamente à margem do Movimento dos Capitães, pela ansiedade de fazermos alguma coisa, de precipitarmos os acontecimentos, sobretudo com a intenção de evitar que a 'brigada do reumático' fosse apresentar cumprimentos ao Marcello e, por via disso, Spínola e Costa Gomes fossem demitidos. Reconheço que foi uma precipitação. Uns dias mais tarde encontro-me com o Melo Antunes e o Vítor Alves, no Café Londres, e é aí que fica combinado que o Melo Antunes fará as bases programáticas do movimento e eu, pela minha parte, o plano das operações».
Só Jaime Neves falhou
Otelo empenhou-se na preparação do golpe. «Na noite de 24, o Hugo dos Santos tinha montado, na Pontinha, um centro de comando perfeitamente operacional. Não falhou nada. Nada, não é bem assim. O Jaime Neves não conseguiu concretizar parte do plano que lhe estava distribuído, ou seja, raptar cerca de duas dezenas de personalidades do regime, nomeadamente as cúpulas das estruturas militares. Mas tudo correu impecavelmente». Otelo abeira-se da janela da sala de visitas da prisão, olha para as oliveiras e recorda o primeiro momento em que verdadeiramente se sentiu vitorioso naquela madrugada. «Dos planos que tinha traçado fazia parte o encerramento do aeroporto de Lisboa. Ás tantas ouvimos um avião. O prefabricado em que o comando estava instalado tinha as janelas tapadas por cobertores para que a nossa actividade não fosse notada do lado de fora. Levantei-me para ver o que se passava, fui até uma janela, afastei o cobertor e vi um avião descer em direcção ao aeroporto.
Pensei que alguma coisa não estava, afinal, a correr bem.
De repente, o avião deu meia volta e ganhou altitude, novamente, até desaparecer. Saltei de alegria. Controlávamos a situação inteiramente. A vitória não podia escapar».
Memórias do passado. Agora, os seus dias são um pouco sempre iguais. Levanta-se cedo, pelas sete e meia, faz ginástica, toma um duche, barbeia-se, arruma a cela (com quarto, sala e casa de banho privativa) e toma o pequeno-almoço. Recebe visitas e telefonemas das 10 às 11 e 30. A seguir ao almoço, recebe as visitas da tarde. Lê e escreve. Janta às sete, volta a escrever e adormece «confiante» até ao dia seguinte. «É preciso manter uma rotina disciplinada para não perdermos o moral», explica. Amnistia? «Negativo!», responde com a prontidão dos velhos tempos do Copcon. «Apenas se exige que as leis deste país sejam cumpridas. Para mim e para os meus colegas. O Supremo não pode continuar por este caminho».
F. G.
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