segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

"Como Criar o Filho Perfeito Usando a Culpa e a Manipulação"

In "Jornal i":

Elizabeth Beckwith defende que a melhor forma de educar uma criança é criar o hábito de falar mal dos outros.

Em criança, a actriz e comediante norte-americana Elizabeth Beckwith disse à mãe que queria fumar quando crescesse. A mãe não berrou, nem respondeu torto, apenas um simples: "Tu é que decides." Mais tarde, usou um truque melhor: falar-lhe de uma vizinha. "Olha para a senhora Johnson. Era tão bonita, agora parece uma passa de uva. É isto que o tabaco faz." Beckwith ficou tão chocada que nunca fumou. E só anos mais tarde, quando já era casada e vivia no dilema de encontrar a filosofia ideal para educar os filhos, é que descobriu que ela e os seus irmãos tinham si- do "manipulados". Elizabeth Beckwith encontrou no modelo usado pelos pais a chave para educar as suas crianças - o ingrediente secreto para incentivar o bom comportamento dos filhos é, nada mais nada menos, do que a culpa.


No livro "Como Criar o Filho Perfeito Usando a Culpa e a Manipulação", a actriz defende coisas tão polémicas como: se os pais criarem o hábito de falar mal dos outros na frente dos filhos, eles sentir-se-ão culpados quando fizerem algo de errado porque terão medo de ser iguais àqueles que os pais criticam. Em vez dos tradicionais métodos de recompensa e punição, os pais devem usar uma combinação de medo, vergonha e culpa para moldar a personalidade da criança. "A melhor maneira de ensinar um filho a não se comportar como um ser inferior é apontar para todos os seres inferiores ao nosso redor", sugere a autora. Usando a sua própria família como material de estudo, Elizabeth Beckwith demonstra como foi criada para ser "uma pessoa melhor" sem nenhuma disciplina formal além de um engenhoso padrão de manipulação mental.


Beber

Num dos muitos exemplos de culpa e manipulação que transpôs da sua educação para o livro, Beckwith conta que aprendeu que não devia beber demasiado no dia em que ficou bêbada numa festa e os pais apareceram. "Quase implorei que me dessem uma tareia para me livrar daquele sentimento horrível de vergonha. Não fizeram nada e para mim não havia nada pior." Da mesma forma que aprendeu a vestir-se através dos comentários que a mãe fazia sobre as mulheres à sua volta. "Olha-me para aquela!", dizia a mãe, num tom chocado e mordaz. "Parecia existir um número interminável de mulheres vestidas de forma desadequada disponíveis para os comentários da minha mãe", brinca Beckwith. "Devia ser porque vivíamos em Las Vegas e muitas dessas mulheres eram prostitutas."


Sentar os filhos à mesa e falar mal do comportamento dos vizinhos pode dar mais frutos do que discutir que isto é certo e aquilo é errado. Como aprendeu facilmente que aqueles eram os exemplos do que não queria ser, agora a actriz também faz questão de usar os outros como objecto de lições de moral para os filhos. E usa exemplos da falta de civismo de terceiros para que as crianças percebam o cuidado que se deve ter quando se está num jardim. "Quem é o nojento que faz estas coisas?", pergunta, perante os filhos, quando encontra lixo no chão. Ou, diz-lhes, que se tiverem uma condução descuidada, como "aquele idiota do parque de estacionamento" podem morrer. Assim, sem eufemismos.

“Aprendemos muito por não querermos ser como os maus modelos”

Para o pediatra Mário Cordeiro, a tese de Elizabeth Beckwith só pode ter a ver com o carácter de comediante da actriz. “O medo e a manipulação não são formas de conseguir que alguém aja com responsabilidade e determinação ética.” Já a culpa, realça o pediatra, pode resultar, mas só “até certo ponto, para interiorizar as consequências maléficas dos nossos actos”.


Tecer críticas e comentários sobre as atitudes dos vizinhos, pais, tios ou colegas à frente dos filhos nunca será um método educativo, na opinião de Mário Cordeiro. “Falar mal dos outros quando não estão é próprio de espíritos narcísicos que nada mais têm a fazer do que ser frívolos e superficiais.” A psicóloga infantil Rita Jonet abre excepções e defende que, em certas situações, imitar o mau comportamento de alguém que a criança conhece pode ser a melhor forma de a ensinar a distinguir o certo do errado: “Aprendemos muito por não querermos ser como os maus modelos que conhecemos.” Se uma criança tem dificuldade em comportar-se à mesa, por exemplo, Rita Jonet diz que pode aprendê-lo facilmente pela encenação. “Se imitarmos uma pessoa que come com a boca aberta e que a criança conhece, ela vai aprender mais facilmente que isso é feio e repugnante.” O segredo está na forma como se aplica a teoria. Se uma vizinha mostra um comportamento que é errado ou condenável, uma mãe “não deverá fazer segredo disso, mas com o enorme cuidado de não fazer juízos de valor ou de carácter sobre a vizinha”, esclarece Mário Cordeiro. É o acto que deve servir como objecto de ensinamento e não a pessoa em si. E sempre na dose certa, pois “não se pode educar sempre à base de comparações”. Além disso, revelar sempre o lado negativo das pessoas “pode transformar uma criança num adulto coscuvilheiro, habituado a centrar-se no mal dos outros”, alerta Rita Jonet.


O exemplo do cigarro usado por Elizabeth Beckwith no livro – ela recorda que nunca fumou porque a mãe lhe mostrou que a vizinha ficou com uma pele feia por fumar – “é um bom exemplo de como às vezes é mais fácil aprender o bem pelo que o outro faz mal”, conclui Rita Jonet.

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