sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Arrefecimento global?

In "Expresso ":

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Afinal, o planeta Terra está a aquecer ou a arrefecer? A pergunta parece disparatada quando a maioria dos estudos científicos aponta para o degelo do Árctico, para o aquecimento global e para causas antropogénicas - o dióxido carbono proveniente das actividades humanas - como explicação para esse aquecimento.

Mas quando fazemos um balanço de 2008, o arrefecimento parece ser a tendência dominante, apesar de as previsões iniciais apontarem para um ano quente. Em Portugal, os dados do Instituto de Meteorologia indicam que o Inverno foi morno, com temperaturas acima da média de 1971-2000. Mas tivemos uma Primavera fria - as máximas em Maio foram as mais baixas dos últimos 15 anos -, um Verão fresco e a neve caiu na serra da Estrela em Outubro, enquanto pelo mundo fora se manifestaram fenómenos anormais. Os piores nevões dos últimos 50 anos bloquearam em Fevereiro dezenas de milhões de viajantes nas celebrações do Ano Novo chinês, provocando o caos em vastas áreas da China. E a neve invadiu Londres em Outubro - o que não acontecia desde 1934. Em todo o caso, há um problema que tem sido desvalorizado. João Corte-Real, o decano dos climatologistas portugueses, resume-o numa frase bem simples: "Estamos ainda longe de compreender completamente a forma como o sistema climático opera e todas as causas responsáveis pela mudança climática."

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A vida surge em ambientes inóspitos para a maioria das espécies existentes na Terra, o que aumenta as hipóteses de que seja encontrada nos planetas gelados do sistema solar.

 

O clima é um dos sistemas mais complexos que existe e depende de uma imensidade de variáveis naturais e humanas, mas por enquanto "falta-nos uma teoria robusta que nos revele como este sistema opera, ou seja, não há uma boa compreensão dos processos climáticos", insiste o professor da Universidade de Évora. Apesar das importantes conquistas científicas das últimas décadas, onde os satélites e os supercomputadores foram instrumentos preciosos, temos de nos contentar apenas com cenários climáticos e com previsões do tempo que começam a apresentar uma margem de erro cada vez maior a partir dos cinco a sete dias.

Mas não confundamos os dois conceitos. O clima é o conjunto de todos os estados que a atmosfera pode ter num determinado local durante um intervalo de tempo longo, isto é, pelo menos 30 anos. O tempo é simplesmente o conjunto das condições meteorológicas num dado local e a sua evolução no dia-a-dia. Incertezas e conceitos à parte, o que nos dizem os nossos cientistas sobre Portugal? João Corte-Real olha atentamente para os últimos estudos e conclui: "Analisando as observações feitas em Portugal Continental, não vejo qualquer mudança de sentido, não noto qualquer tendência para as temperaturas mínimas baixarem ou subirem. Mas temos períodos de frio abaixo da temperatura média." O climatologista refere-se a um estudo feito por Maria Solange Leite, investigadora da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), e João Andrade Santos, da Universidade de Évora, sobre a evolução das temperaturas mínimas entre 1901 e 2001 em quatro cidades: Montalegre, Porto, Lisboa e Évora.

"Faltam os últimos sete anos nesta investigação, mas não creio que haja qualquer alteração nas tendências verificadas", esclarece ainda o professor catedrático. Outro estudo, desenvolvido por Maria Madalena Vasconcelos (Universidade de Évora) com base nos dados recolhidos desde 1971 em quatro estações meteorológicas no Alentejo (Alvalade, Viana do Alentejo, Sines e Alcácer do Sal), chega sensivelmente às mesmas conclusões.

Filipe Duarte Santos, o professor catedrático de Física da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa que tem integrado as delegações portuguesas nas negociações internacionais pós-Quioto, reconhece que "quando falamos de aquecimento global estamos a considerar o conceito de temperatura média global. Só que há sempre alguma variabilidade climática anual que não pode ser prevista por nenhuma metodologia fiável, e 2008 é um bom exemplo deste fenómeno, porque estava previsto como um ano quente mas foi globalmente fresco".

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Na floresta do norte da Suécia, dentro do Círculo Polar Ártico, a temperatura no Verão desceu 0,3 graus nos últimos 1500 anos, segundo um estudo da Universidade de Estocolmo.

 

O académico salienta também que "a temperatura da Terra aumentou 0,7% desde meados do século XIX em termos globais", mas a nível regional ou local a realidade pode revelar-se bem diferente. Foi o que aconteceu na América do Norte entre 1990 e 2000: a temperatura média não aumentou, mas globalmente "subiu bastante no resto do mundo". E há fenómenos naturais a nível local que podem ter um impacto planetário, como a violenta erupção do Monte Pinatubo, nas Filipinas (ilha de Luzon), em Junho de 1991. Tratou-se da segunda maior erupção terrestre do século XX e provocou, ao longo dos cinco anos que se seguiram, uma anomalia negativa de 0,25 graus na temperatura média global da Terra, "que foi bem reproduzida pelos modelos climáticos existentes na altura". Tudo porque o vulcão filipino libertou milhões de toneladas de cinzas e de poeiras que funcionaram como aerossóis na atmosfera, reflectindo a luz solar.

João Corte-Real chama, entretanto, a atenção para dois estudos publicados este ano em conceituadas revistas científicas acima de qualquer suspeita ("Climate Dynamics" e "International Journal of Climatology"), porque não combatem as posições oficiais do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC) das Nações Unidas em que se têm baseado as negociações internacionais sobre o clima. No primeiro estudo, Hakan Grudd, da Universidade de Estocolmo, resolveu analisar os pinheiros milenares que existem nas florestas do norte da Suécia, já dentro do Círculo Polar Árctico. O cientista mediu a largura dos anéis das árvores bem como a densidade da madeira em cada anel, e relacionou, através de técnicas usuais de estatística, os valores obtidos com os registos do clima local, reconstruindo a evolução das temperaturas de Verão na região nos últimos 1500 anos. E a conclusão foi curiosa: durante esse período a temperatura média não subiu, como seria de esperar, mas desceu 0,3 graus.

No segundo estudo, uma equipa de investigadores norte-americanos das universidades de Rochester e da Virgínia foi mais longe: comparou as tendências de temperatura fornecidas por 22 conhecidos modelos de clima em vários níveis da troposfera tropical, com as tendências encontradas através de observações de superfície, por radiossondagens e por satélite. A troposfera é a camada da atmosfera que vai da superfície da Terra até uma altitude de 17 km nos trópicos e de 7 km nos pólos, sendo a sua espessura média de 12 km. A escolha da troposfera tropical para este estudo, que analisou o período de 1979-2004, foi justificada por ser na região dos trópicos que a presença de vapor de água é mais importante.

Da análise comparativa realizada, a conclusão dos cientistas norte-americanos é surpreendente: os 22 modelos de clima considerados - que têm traçado cenários preocupantes quanto ao aquecimento global - "são inconsistentes com as observações feitas", o que significa que "as projecções futuras da mudança de temperatura baseadas nestes modelos são demasiado elevadas".

Numa conferência realizada por Richard Lindzen em finais de Agosto em San Marino (Itália), o conhecido professor de meteorologia e investigador do MIT, autor de um dos capítulos do relatório de 2001 da ONU sobre o aquecimento global, desvendava o porquê deste desfasamento entre a realidade observada e os modelos climáticos: "O desenvolvimento da ciência climática está a decorrer a um ritmo mais lento do que o esperado, porque quando o clima se torna uma componente vital da agenda política, a posição politicamente desejada torna-se mais num objectivo do que numa consequência da investigação científica."

O frio e o gelo estão, aliás, a ganhar uma importância política e geoestratégica crescente. Não por existirem, mas antes por poderem desaparecer, facilitando o acesso a riquezas até agora inexploradas. No Árctico, o jornal francês "Courrier International" chamou-lhe recentemente "a outra Guerra Fria", porque os cenários do aquecimento global estão já a provocar uma corrida ao controlo dos abundantes recursos naturais desta vasta região do Hemisfério Norte - a começar pelas gigantescas reservas de petróleo e gás natural.

E porque alguns modelos científicos apontam para que em 2020-2030 a zona fique totalmente livre de gelo durante o Verão, abrindo-se dois novos corredores estratégicos para a navegação: a Passagem do Noroeste (costa do Canadá) e a Passagem do Nordeste (costa da Sibéria). A primeira encurtaria em 3000 km as ligações marítimas entre a Europa e o litoral oeste da América do Norte, hoje feitas através do canal do Panamá. A segunda pouparia 7000 km nas rotas entre a Europa, o Médio Oriente e a Ásia do Pacífico, que actualmente passam pelo canal do Suez.

Repartida pela Rússia, EUA, Canadá, Dinamarca (Gronelândia) e Noruega, a região não é regulada por qualquer acordo internacional, mas apenas pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 1982. No dia 20 de Novembro, a Comissão Europeia adoptou uma comunicação sobre a Região do Árctico onde se destacam os efeitos das alterações climáticas e das actividades humanas nesta área do planeta e se definem três objectivos prioritários: proteger e preservar o Árctico, promover o uso sustentável dos seus recursos e contribuir para uma melhor governação multilateral da região. E as declarações sobre o assunto da comissária europeia das Relações Externas, Benita Ferrero-Waldner, não podiam ser mais claras: "O Árctico é uma região única e vulnerável, situada na proximidade imediata da Europa, e a sua evolução terá repercussões significativas na vida dos europeus durante muitas gerações."

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Campeões do frio (clique na imagem para ver o documento em formato PDF)

A vida no frio

Há animais - a maioria deles micróbios - que vivem e prosperam permanentemente em ambientes muito hostis para a esmagadora maioria das espécies existentes à face da Terra. A ciência deu-lhes um nome curioso: extremófilos. Vivem dentro de rochas geladas, no fundo dos mares sem luz solar, nas bordas das crateras dos vulcões activos, nas fontes hidrotermais dos leitos dos oceanos, em ambientes extremamente secos, ácidos, alcalinos, salinos, radioactivos ou tóxicos. E nos ambientes frios nem sempre são de dimensões microscópicas. No início de Outubro uma equipa de cientistas britânicos e japoneses ficou totalmente surpreendida quando descobriu e filmou, através de um robô-submarino, um cardume de 17 peixes - conhecidos por "pseudoliparis amblystomopsis" - a 7700 metros de profundidade no estreito do Japão, no oceano Pacífico. Esta foi a maior profundidade de sempre a que foram encontrados peixes vivos. O "pseudoliparis" tem um comprimento máximo de 24 centímetros e está adaptado a um ambiente particularmente inóspito: a temperatura não ultrapassa os quatro graus e a pressão da água salgada equivale ao peso de 1600 elefantes sobre o tejadilho de um mini! Deixando os paquidermes e regressando ao mundo microscópico, a descoberta de novas classes de extremófilos na Terra pode aumentar as hipóteses de encontrarmos vida noutros planetas e satélites do Sistema Solar, abrindo os horizontes à Astrobiologia. Em Marte, onde as temperaturas à superfície variam entre os 140 graus negativos e os 20 positivos, poderá ser mais fácil do que julgamos encontrar formas de vida no subsolo gelado (o chamado "permafrost"), apesar de as sondas espaciais até agora enviadas nada terem descoberto. E os 90 graus negativos do oceano de Europa, um dos quatro maiores satélites de Júpiter, talvez não sejam uma barreira intransponível. Em particular se existirem fontes hidrotermais.

O lugar mais frio da Terra

Não, não é na Antárctida que se situa o lugar da Terra onde os termómetros batem todos os recordes (89,4 graus negativos). O campeão indiscutível é o LHC, o novo acelerador de partículas da Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN), em Genebra. A uma profundidade de 100 metros situa-se o gigantesco túnel de 27 km do acelerador, equipado com um sistema de refrigeração a hélio líquido que é mantido a uma temperatura tão baixa - 271,25 graus negativos - que faz a Antárctida parecer um lugar ameno. Os cientistas do CERN costumam dizer, com um certo orgulho, que este é o local mais frio do Sistema Solar, porque está muito próximo do zero absoluto (273,15 graus negativos), a temperatura mais baixa do Universo, onde as moléculas e os átomos têm a menor quantidade possível de energia térmica. A definição do zero absoluto levou mesmo à criação de uma escala onde não há graus negativos, a escala Kelvin, onde o zero corresponde precisamente aos 273,15 graus negativos da escala Celsius que vulgarmente usamos. Isto significa que a temperatura do sistema de arrefecimento do LHC é de 1,9° K (graus Kelvin). Este recorde da ciência europeia está provisoriamente em suspenso, porque o acelerador sofreu uma avaria e, para decorrerem os trabalhos de reparação, foi necessário colocar o sistema de refrigeração do túnel à temperatura ambiente. Mas a partir de Maio de 2009, a maior máquina do mundo voltará a simular os primeiros momentos do Universo, logo a seguir ao Big Bang. E o seu frio extremo irá permitir que os feixes de partículas lançados no acelerador viajem quase à velocidade da luz sem encontrarem resistência.

Texto publicado na edição do Expresso de 29 de Novembro de 2008

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